com a palavra

Marcelo Canellas volta a integrar o time de cronistas do Diário

Cassiano Cavalheiro

Fotos: Arquivo Pessoal
Na cobertura da Copa do Mundo da Rússia. Ao fundo, a catedral de São Brasília, Moscou, em 2018

Ele é uma das referências do jornalismo brasileiro, está no ar na Rede Globo há quase 30 anos e atua, hoje, como repórter especial do Fantástico. Nascido em Passo Fundo, Marcelo Canellas é santa-mariense de coração. Ainda bebê, chegou na Cidade Cultura, onde cresceu e alçou grandes voos.

Cronista do Diário de 2002 a 2016, o jornalista esteve longe das páginas do jornal impresso nos últimos dois anos. Agora, Canelas volta a reencontrar os leitores santa-marienses integrando novamente o time de cronistas do Diário, ao lado de Orlando Fonseca, Sione Gomes e Silvia Niederauer. Ele ocupa a vaga deixada pelo saudoso Humberto Gabbi Zanatta, um de seus mestres mais queridos, que faleceu em dezembro do ano passado.

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Para marcar esse retorno, Canellas conversou com o Diário sobre sua trajetória, a relação do Zanatta e projetos futuros. A partir desta quarta-feira, os leitores do jornal acompanharão seus textos, uma vez por mês, nas crônicas da plataforma impressa.

Diário _ Nesses dois anos em que esteve fora das páginas do Diário, como cronista, quais foram as principais experiências pessoais e profissionais do Canellas?
Marcelo Canellas _ 
Tive grandes alegrias ligadas a Santa Maria. Uma delas foi terem me concedido a honra de ser o patrono da edição de 2017 da Feira do Livro. Foi uma experiência extraordinária. Também estive diretamente envolvido no lindo processo de construção coletiva do Memorial às Vítimas da Kiss. Intermediei o entendimento entre a prefeitura municipal, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia. Um concurso nacional de arquitetura inteiramente financiado pela comunidade santa-mariense escolheu o projeto do arquiteto paulista Felipe Zene, classificado em primeiro lugar. Quando sair do papel, vai ser um dos mais lindos monumentos à vida, à saudade e ao amor que todo pai e toda mãe sente por seus filhos. No campo profissional, justamente por me sentir tocado por esse tema, talvez minha maior emoção, nesses dois anos, foi ter feito a série de reportagens "Quem é meu pai?", no Fantástico, sobre reconhecimento de paternidade. E a maior tristeza foi ter perdido o meu. Tive de deixar a cobertura da copa da Rússia pela metade. Quando a doença de meu pai se agravou, um câncer em recidiva, deixei Moscou a tempo de encontrá-lo em Santa Maria, de me despedir e de dizer a ele o quanto o amava. Eu cheguei numa terça, dia 26 de junho. Ele morreu na quinta seguinte, 28 de junho, aos 83 anos. 

Gravação de reportagem, para o Fantástico, sobre os índios Kanela, no Maranhão, em 2013

Diário _ A partir de amanhã, você volta a colaborar, mensalmente, com uma crônica para o Diário. O que lhe motivou a retornar?
Canellas _
Minha maior motivação para retornar ao Diário é dar seguimento ao espaço de crônicas de Humberto Gabbi Zanatta, meu amigo, meu professor na UFSM, meu guru e o grande responsável por eu ter me tornado repórter de televisão. Eu passei a faculdade inteira me preparando para trabalhar em jornal. Mas, assim que me formei, o Zanatta me indicou para uma vaga na RBS TV Santa Maria e insistiu para que eu fizesse o teste. Recém-formado, eu não tinha vontade de trabalhar em TV. Mas era o emprego disponível que havia na cidade, então, fiz o teste, passei e me apaixonei pela narrativa televisiva. Voltar a escrever crônicas no Diário é uma maneira de agradecer ao Zanatta, que nos deixou no fim do ano passado, e de homenageá-lo. E também de estabelecer uma interlocução com a cidade.  

Popular professor de matemática de Santa Maria fala sobre seu 40 anos de vivência em cursinhos

Diário _ E o que o leitor pode esperar desse espaço?
Canellas _
 Vou tratar de temas que dizem respeito à vida urbana, em comunidade. Gosto de uma frase do grande geógrafo Milton Santos: "a cidade é o espaço do acontecer solidário". Minha primeira crônica será sobre a ameaça contra nossos espaços de convivência, contra nossa identidade, contra nossa fisionomia de cidade que enfrentamos desde a aprovação do novo Plano Diretor. O patrimônio histórico está a perigo. Eu quero olhar para Santa Maria e reconhecê-la. Não há nada mais atrasado e obsoleto do que construir o futuro sob os escombros do passado. Eu quero uma cidade moderna. E não há nada mais moderno do que proteger os elementos de referência que alimentam nosso sentimento de pertencimento.

Recebendo um prêmio internacional de jornalismo, o Forum/Cemex, das mãos do Nobel de Literatura Gabriel García Márquez. Monterrey, no México, em 2007

Diário _ O que trouxe e o que o manteve conectado à Cidade Cultura?
Canellas _ Meu pai, Zacheu Canellas, natural de Gravataí, era agrônomo da Emater e recebera da empresa a missão de gerenciar o recém-criado escritório regional de Santa Maria. Nasci em Passo Fundo, mas cheguei aqui ainda bebê de colo. Foi em Santa Maria que aprendi a caminhar, a falar, a correr, a pensar, a ler, a escrever, a namorar e a me inquietar com o mundo. Em criança, fugi da Velha do Saco e do Mudinho da Catedral. Fui criado olhando os morros em volta e sentido a bafagem quente do Vento Norte. Fui amigo do Paulinho bilheteiro e do Crocante. Edmundo Cardoso me dava bom dia, Cerejinha era meu vizinho e dom Ivo (Lorscheiter) me chamava pelo nome. Estudei a vida inteira em um único colégio, o Centenário. Me formei em jornalismo pela UFSM. Ou seja, devo ser o passo-fundense mais santa-mariense do mundo! E um desenraizado como eu que, por razões profissionais, passa a vida viajando, precisa se sentir em casa em algum pedaço de chão. Meu sentimento de pertencimento é com Santa Maria. Hoje moro em Brasília, mas aqui ficaram meus pais, irmãos, sobrinhos, amigos de infância, amigos de faculdade e novos amigos que fui fazendo ao renovar minha relação com a cidade.

Com a equipe da TV OVO, em frente ao prédio do futuro Sobrado Centro Cultural

Diário _ Adiante quais seus projetos para 2019?
Canellas _ 
Meu projeto para este ano é fazer reportagens especiais para o Fantástico sobre temas que me incomodam. A desigualdade no Brasil parou de cair e voltou a ficar estagnada depois de 15 anos. Passamos ao vergonhoso posto de nono país mais desigual do mundo. Em apenas um ano, o número de pobres cresceu 15%. O volume de gastos sociais retrocedeu aos níveis de 2001. O meu grande sonho, hoje tremendamente distante, é noticiar o advento de uma era de justiça, equidade e igualdade em nosso país.

Estudante do primeiro ano de jornalismo da UFSM, em 1984

Diário _ Olhando para trás, do que você tem orgulho em sua trajetória, tanto pessoal, quanto profissional?
Canellas _ 
Meu maior orgulho são meus filhos. Pedro, de 17 anos, e Gabriel, de 12. Que, além de serem pessoas solidárias e generosas, ainda fazem o que nunca consegui fazer: cada um toca um instrumento musical. Pedro é guitarrista, e Gabriel é baixista. Felizmente, nesse particular, eles não puxaram a mim. O meu professor de violão, quando eu tinha 10 anos, foi ninguém menos do que Luiz Carlos Borges. Se eu não consegui aprender com aquele, que viria a se tornar um dos maiores músicos brasileiros dos últimos tempos, é porque eu realmente sou um caso perdido. Ainda bem que o jornalismo me salvou. Tenho orgulho da carreira que fiz, construída em 31 anos de televisão, 28 deles na TV Globo.

Cobertura da passeata dos cara-pintadas, no Rio de Janeiro, em 1992

Diário _ Qual a principal mudança no jornalismo de hoje, em relação a quando você começou?
Canellas _
 Há 32 anos, quando comecei como repórter de polícia do jornal A Razão, a pessoa bem informada precisava esperar o dia amanhecer para comprar o jornal na banca e ficar sabendo o que tinha acontecido no dia anterior. O leitor de hoje fica sabendo no instante seguinte ao acontecido. Se é que, ao acessar o smartphone, ele não fica sabendo na hora mesmo, em um "live" que alguém faz de qualquer lugar do mundo. O jornalismo passou por uma verdadeira revolução tecnológica com o advento da internet. Mas, como toda tecnologia, a internet e as redes sociais são ferramentas operadas por seres humanos. E, portanto, as pessoas podem usá-las para democratizar a produção de conteúdo e o acesso à informação. Mas também podem usá-las para fabricar fake news e manipular dados para alimentar a pós-verdade. Eu diria que o que se mantém atual no jornalismo é o imperativo ético da precisão, da checagem criteriosa e da busca intransigente pela notícia com contexto.

Servidor aposentado da Rádio Universidade e tutor da mascote Gisele fala sobre lembranças de Santa Maria

Diário _ O que o Coração do Rio Grande significa para você? Quais seus votos para o futuro de Santa Maria?
Canellas _
 Santa Maria é minha referência, minha casa materna, meu colo. Desejo ver minha terra cada vez mais identificada com sua vocação de cidade cultura. Uma cidade plural, arejada, afeita ao debate democrático. Aliás, este ano será importantíssimo para a execução de um projeto grandioso: a restauração do prédio centenário da TV OVO, na esquina da Floriano Peixoto com a Ernesto Beck. O casarão, construído em 1916, pelo poeta Evandro Ribeiro, será transformado no Sobrado Centro Cultural, um lugar dedicado às artes, à cultura, à produção audiovisual e à capacitação de jovens da periferia. A captação de recursos pelas leis de incentivo à cultura vai começar. Tenho certeza de que se tornará um de nossos mais bonitos cartões postais.

Com os filhos, Pedro e Gabriel

Crônica publicada na primeira edição do Diário de Santa Maria, em 2002

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